terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Vai mundo, chega já!




Raquel é amiga de Marcelo. Ela tem 6 anos, ele 3. Num passeio em um antigo campo de futebol do Centro Social Urbano, em Moreno, onde hoje tem uma ´invasão´, eles se encontraram e, desde então, mantém uma amizade.'Amigos de Infância' diriam uns. 'Amigos do acaso' diriam outros. Amigos por que decidimos atender Marcelo nos seus pedidos de brincar com Raquel.

Todas as implicâncias comuns a um típico garoto de classe média urbano são postas de lado por Marcelo quando ele esta na casa de Raquel. Anda descalços no mato, se molha e não pede para trocar de roupa, se meleca e não se limpa, sem frescura para nenhum biscoito oferecido. Graças à Raquel e à invasão no CSU.

Raquel tem uma amiga, também de 3 anos, sua vizinha Nicole. Uma negra linda e bastante geniosa. Segura firme na caneta e escreve. Curvas que só os adultos não compreendem. Mas as curvas eram lindas e eu não cansava de elogiar.

A mãe de Raquel percebeu meu encantamento e conversava animadamente comigo sobre o quanto as crianças eram espertas e danadas. E aí me fez uma pergunta que não esperava resposta: 
- Como se tem coragem de judiar de uma criança?

Eu só balancei a cabeça, como quem compreende a pergunta, mas não compreende a resposta.

As crianças continuavam correndo entre arames farpados, muros e córregos. Uma diversão que não se encontra fácil. Aí a mãe de Raquel me relata o caso da semana. 
- Nicole estuda no João de Deus! 

Automaticamente me transportei para lá. É uma escola privada, era segunda maior do município, não sei sua posição hoje. Ela continuou:
- A mãe de Nicole foi pegar ela na quarta -feira passada. Nicole estava brincando junto com outras crianças. Depois ela se afastou das crianças e ficou brincando sozinha.

Eu fiquei pensando no encantamento da mãe olhando aquela cena. A mãe de Raquel continuou.
- Aí chega outra mãe e fica do lado da mãe de Nicole. E essa mãe olhou para as crianças e também admirava a brincadeira. Tanto que falou: 'olha quantas crianças brincando!' e depois olhou para Nicole e falou 'Olha que urubuzinho'!

Minha sobrancelha enrijeceu. Automaticamente falei: 
- Eu batia nela!

A mãe de Raquel concordou e disse: 
- Num foi isso mesmo! Tiveram que chamar o segurança da escola para apartar!

Ainda chocada, balancei a cabeça como quem concorda e sabe a resposta certa.

As crianças continuavam brincando, leves como a vida deveria ser. E aí a mãe de Raquel fez mais uma pergunta que me colocou do tamanho que sou. 
- Como pode? Nessa idade e já estão judiando dela!

Minha reação foi a óbvia. Espanto de concordância. Mas esta ultima frase ficou martelando... "Nessa idade e já estão judiando dela!"

É preciso deixar claro que não havia distancia econômica ou social entre as mães na escola. Tanto que as crianças estudavam na mesma escola. Mas já estavam judiando dela. .

Esse é um advérbio engraçado. Denota pressa, "logo logo chego. Já já chego." Já estão judiando dela. O preconceito teve pressa. Chegou aos 3 anos, dentro dos muros da escola. Mas o pior não foi a pressa do preconceito, mas a constatação de que ele, um dia, chegaria. E só tornou-se problema por que chegou logo. Já estão judiando Nicole.

Marcelo, Raquel e Nicole. Todos comeram biscoitos juntos, com os pés sujos de barro. Talvez esta seja a última esperança que reste no mundo. Já já ele chega.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A Seca em Baldes

16/08/2012
Vivi um dia em Poldrinhos,
Na terra do Xaxado, de Lampião.
Vivi em contas gotas, aos pouquinhos,
Vida que não se vê na televisão.

O chão era seco de afeto
Por causa da água que não vem.
Meu coração, por hora, deserto,
Como milionário, sem um vintém.

Nem sempre Deus quis assim,
Conta os recentes relatos.
Água em canos havia sim,
Mas agora é um boato.

O desenvolvimento quebrou os canos
Trilhos que levam à capital.
Coisas para os metropolitanos
Que não cabem em um recital.

A vida seca não está no leitor,
Está no balde, providência transitória.
Braços fortes o carrega com ardor,
Carrega dor da medalha da vitória.

Choro seco, enfim, percebo:
A seca está no balde.
Sr. Manoel, mais um mancebo,
Como todos arrebalde.

Olhos, chão, mãos, racham.
O medo da vida em um tropeço.
Choro as lágrimas dos que acham
Que a distância não evita o apreço.

Na cama sertaneja sonho a chuva 
Caindo, molhando o chão.
Esse sonho cabe como uma luva
Na inocência urbana, não na do sertão.

Agradeço à vida
Em Poldrinhos ter me levado.
Acá fico com a ferida
E este meu frágil brado.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Pés Flutuantes


07/12/97

Um filme louco, um bom livro, uma música afiada como uma faca. Cenas simples para um espectador, mas uma vida para uma alma que não quer nada mais que felicidade. Furacões e vulcões revezam no seu trabalho árduo – tormento, saudade, melancolia.

Olhos úmido lendo um papel sem muito sentido, mãos trêmulas; o que fazer? 

Olhe! Pássaros puxam um garoto para bem longe dos meus olhos, mas tão perto da mim. Aonde será que vai dar esses pássaros? Para um lugar além do toque, além do olfato, além da visão... um lugar perto das pessoas, tão perto que elas se perdem no meio do caminho. Olhando para lá, tomo susto e percebo pensamentos fugazes; difícil local de estadia, a fuga trás tormentos piores – realmente é muito difícil perceber o quão se é insegura.

Toco no espelho e este me suga para seu interior. Agora estou eu, olhando meu rosto sem alma e sem você. Rasgo minhas roupas que estão sujas e o meu corpo ao vento voa como pés de crianças brincando. Abrir os braços e flutuar, sonhos daquela garota que agora se olha no espelho. Para quê? Sublimemente tocas meus pés flutuantes e me abraça como um louco lúcido da sua embriaguez.

Teus braços tornam-se raízes que doem, que aquecem, que choram. Tão real quanto essas raízes, estou eu a agarrar-te cada vez mais, sem conseguir soltar-me. Para que os pés flutuante se o longo e doce destino são suas raízes? De repente... doses pequenas de uma doce seiva tiram os seus braços e eu, inutilmente, tento repô-los... abaixo a cabeça e olho os meus pés flutuantes. 

Olho para você e relembro de uma profecia repetida desde o parto daquilo que nos fez mais felizes. Com tuas raízes vai a minha ”frase mais preciosa”, contigo vai as lágrimas que te fizeram sorrir nos dias de angústia, contigo vai o filme rebobinado várias vezes e que não quero mais assistir ... contigo só não vai a esperança nem a certeza de que hei de te amar para sempre. Por isso, peço devolva-me o que você levou, ou leve-me contigo, perca-se comigo,