domingo, 19 de junho de 2011

As Ruas


As ruas molhadas
De lágrimas
De olhos vermelhos e tristes
De fome

Pernas e mãos
Raquíticas
Andando nessas ruas
Formam populações
Nos belos campos
De pedra e jardins
De agulha

O asfalto duro
De descaso
Transpiram vapores
Ácidos
Que corroem os pés
Daqueles que não os têm

— Menino, calça o chinelo !
— Parado aí, senão eu atiro ...

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Conhecimento Prudente para uma Vida Decente


“Não: não quero nada! Já disse que não quero nada. / Não me venham com conclusões! / A única conclusão é morrer. Não me tragam estéticas! / Não me falem em moral! / Tirem-me daqui a metafísica! / Não me apregoem sistemas completos, não me enfilerem conquistas / Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) / Das ciências, das artes, da civilização moderna!”. (Trecho poesia ‘Lisbon Revisited (1923)’ de Fernando Pessoa)

Fernando Pessoa considerava Rosseau um “misantropo amoroso da humanidade” (Escritos Íntimos 19). A admiração pelo filósofo fez com que o poeta antecipasse, em linguagem livre, meus sentimentos . Quais são, finalmente, as conquistas das ciências, das artes e da civilização moderna? Um pergunta simples cuja resposta é o cerne da crise da ciência moderna.

A racionalidade científica do século XVIII aderiu a predicados que romperam com formas de conhecimento anteriores. Na ânsia de controlar os fenômenos naturais, o homem perdeu a confiança na sua percepção e desenvolveu métodos e regras para revelar verdades. O método positivista dominou a ciência com seus modelos matemáticos. Neste momento, o objetivo da ciência não era apenas resolver um problema humano ou entender um fenômeno natural, mas descobrir formas de controlá-lo.

O paradigma dominante da ciência moderna alcançou os fenômenos sociais. A lógica era simples: se a ciência moderna revelava verdades sobre os fenômenos naturais, da mesma forma ela poderia revelar verdades sobre os fenômenos sociais. Contudo, logo foi reivindicada uma nova epistemologia e metodologia para as ciências sociais, pois os fenômenos estudados possuíam duas variáveis difíceis de serem controladas: a cultura e a aprendizagem do homem.
A crise epistemológica da ciência moderna nasceu no seu próprio seio (ironia, mas que de certa forma legitimou a crise). Boaventura apontou quatro “descobertas” da ciência ocidental moderna que foram pontos de inflexão para a crise: a relatividade da simultaneidade; a mecânica quântica; a relativização do rigor matemático; e os conhecimentos em microfísica. Tais estudos questionaram profundamente as bases da racionalidade científica e engatilharam a crise da ciência moderna. O rompimento do que Boaventura chamou de “Paradigma Dominante” era inevitável.
Esses impasses já eram discutidos dentro do desenvolvimento das ciências sociais. Por isso, a discussão antes marginalizada da epistemologia das ciências sociais tornou-se relevante para a ciência como um todo. Para Boaventura, a partir de então, surge um novo espaço para a construção de um novo paradigma para a ciência.


Apesar de Boaventura considerar esse novo paradigma uma especulação, ele o nomeou de “paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente”. Nele, sintetiza-se o que a ciência moderna ignorou ou estudou de forma inacabada e que acredito ser um novo paradigma da ciência que pode ainda salvar-nos da ciência moderna: a 1) comunidade (nas dimensões de participação e solidariedade) e a 2) racionalidade estético-expressiva (nas dimensões de prazer, autoria e artefactualidade discursiva), 3) conhecimento-emancipação não linear, não controlável (nem em suas causas e muito menos conseqüências); a 4) hermenêutica da suspeição (prudência nas afirmações e foco nas conseqüências inesperadas do fenômeno); o 5) reconhecimento que a ação do homem interfere no fenômeno e por isso não se pode separar natureza e cultura; a 6) aproximação da linguagem científica da linguagem literária e artística.

Boaventura antevê que toda ciência será ciência social por que os fenômenos naturais guardam em si características dos fenômenos sociais. Eu acredito nele. Se no seu desenvolver a ciência construir um novo paradigma próximo ao conhecimento prudente para uma vida decente, num encontro futurista impossível, Fernando Pessoa e Rosseau se cumprimentariam e sorririam em grande satisfação, pois seus legados seriam eternizados.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Cadernos

Árvores e rochas duras e verdes.
Num clima humilde
Em torno da futilidade

Peles e rostos bonitos.
Onde está a inteligência?
Nos cadernos.
Fechados.