sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Pós Modernidade


O entendimento generalizado do funcionamento pós-moderno da sociedade pode levar a alguns entendimentos destorcidos. Por exemplo, na tentativa de explicar a pós-modernidade, foi exemplificada a relação de trabalho do Vale do Silício, o urbanismo de Los Angeles e o entretenimento da Disneylândia. Na verdade, a maior parte da população ainda vive do emprego como era conhecido no início do século; muitas cidades são urbanisticamente tradicionais e a grande população do mundo nunca conhecerá parques temáticos. A leitura da pós-modernidade tenta generalizar alguns conceitos restritos a alguns modelos.

De fato a organização da sociedade está se alterando, assim como as relações de emprego, as cidades e o entretenimento. Contudo, os modelos apresentados estão próximos de serem uma boa metáfora inicial; o projeto final provavelmente será diferente. Por quê? Talvez o embate de valores na sociedade crie um modelo diferente do que se premunia.

Sobre a influência da pós-modernidade nas ciências sociais, o “homem” foi substituído por práticas discursivas como fundamento da ciência; para os autores, são estas práticas que constroem o homem. Assim, a identidade dos sujeitos da linguagem na formação da prática discursiva tornou o objeto da ciência restrito a comunidades interpretativas, fragmentadas. 

Esse entendimento contesta o status da ciência como a melhor forma de compreender o mundo. Na pós-modernidade, não existe razão nem verdade por que a fragmentação e pluralidade da sociedade não permitem tais conceitos hegemônicos.

Nessa perspectiva, o desafio de transpor o conhecimento das barreiras universitárias é muito difícil, pois seus produtos científicos estão restritos a uma comunidade de prática. Bauman afirma que os romancistas e poetas lhe dão mais condição de entender a condição humana do que os tratados sociológico: eles não têm barreiras formais na linguagem e nas metáforas. Talvez essa seja uma forma de transposição. Uma tentativa interessante foi apresentada por Knights e Willmont no livro Management Lives: power ans identity in work organizations.

A premonição das conseqüências da pós-modernidade na sociedade e na ciência sufoca qualquer um. Na verdade, sua crença em conceitos como pluralidade, fluidez e incomensurabilidade de qualquer objeto objetivado mostram o radicalismo que se formou diante seus preceitos. Radicalismo comparado com aquele apresentado na “sólida” crença da modernidade. A epistemologia da pós-modernidade tentar radicalizar uma visão de mundo da mesma forma que a epistemologia da modernidade tentou radicalizar. 

Nelson Rodrigues, célebre romancista e observador da vida cotidiana, acreditava que “a grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem”. Este é um bom conselho para os pesquisadores: não sejas corruptor do mundo que se encena na pós-modernidade. A generalização, assim como a unanimidade, é burra.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

A Marcha triunfal da Ciência


Junho/2007

A construção do conhecimento na história do homem e da sociedade passou por estágios muito distintos. No início, o conhecimento (e sua transmissão) cumpria com o objetivo de facilitar o relacionamento do homem com a natureza que o cercava. Muitos “projetos” do conhecimento (inicialmente) ou do que se nomeou ciência (posteriormente) foram concretizados pelo homem e acabaram por garantir sua permanência no mundo, a melhoria da sua qualidade de vida e até (de certa forma) sua libertação dos valores doutrinadores/dominadores da Igreja ou de outros sistemas de crença religiosa. A ciência oportunizou avanços inquestionáveis para toda sociedade, uma herança que não se pode desvalorizar. Contudo, não foram apenas beneficências que a ciência concedeu à sociedade. 

Num segundo momento, (que não se pode dizer consecutivo, mas paralelo às circunstâncias descritas no parágrafo anterior) a ciência enredou-se por um discurso mítico e ideológico (como a própria pergunta inicial indicou), utilizando-se do argumento de autoridade para dar luz à idéia da ciência como um construto exterior ao homem, com vida própria. Homem de um lado, o mundo do outro lado. A ciência como mediadora, ou seja, o conhecimento desenvolvido por ela como trilhos das cortinas do “palco” chamado mundo. Esse dualismo criou a ciência moderna e ela criou um paradigma sobre que é ciência. 

A partir de então, os cientistas modernos requerem da sociedade apenas observação (quem sabe idolatria?) dos passos da ciência e às vezes tenho a impressão que ela aceita este papel, sem se dar conta do que está por trás do progresso ou do avanço da ciência. O paradigma moderno se fortaleceu tanto no século XX que o conhecimento produzido segundo sua égide confunde-se com o que as pessoas acreditam que sabem sobre mundo que as cerca. A ciência, entendida pelo senso comum, tornou-se uma Instituição .

A comunidade científica, envolvida no fortalecimento da Instituição Ciência e em busca do conhecimento “verdadeiro”, criou sistemas de referência incomuns que mais servem a sua própria legitimação do que a avaliações externas. Poder-se-ia nomeá-los de sistema de auto-referência ou auto-avaliação, o que significa que apenas a própria comunidade envolvida com a Instituição Ciência pode discutir, avaliar, ponderar, restringir, avançar ou regredir os produtos do conhecimento produzido. 

Além disso, a comunidade criou frases de impacto como “esta descoberta é cientificamente comprovada”! A partir de então o entendimento que se requer de quem as escuta é que “esta descoberta é verdade”! Um método científico da modernidade tomou ares de verdade e isso desencadeou um concatenado de idéias que dizem muito mais sobre uma comunidade científica do que sobre a realidade.

Todo esse palavrório da comunidade científica impôs um “avanço” da ciência  à sociedade, como uma mão de ferro, determinando certo tipo de dominação que a igualou aquilo que, primordialmente, contrapunha-se. O quê falar das grandes tecnologias criadas para subjugar o homem à morte? Como justificar conhecimento criado para fortalecer projetos de dominação cultural? Como explicar o emaranhado entre ciência – poder – financiamento – mercado de consumo? De onde partiu a demanda por esses “avanços”? Por que a ciência acredita que possui tantas respostas sobre o mundo, se não pode responder satisfatoriamente a questões éticas latentes que surgem a cada dia sobre alguns tipos de conhecimento que está produzindo? Por que a ciência insiste em ignorar o que não está sobre o seu controle metodológico? E qual a legitimidade que tem para (sub)julgar conhecimentos diferentes do que produz?
Gostaria de dar um exemplo aparentemente inocente do tipo de “dominação” que a ciência tenta impor. No dia 20 de Junho de 2007 assisti a uma reportagem num jornal nacional televisionado. Noticiava-se que o homem mais feliz do mundo, “comprovado cientificamente”, era o monge budista Yongey Mingyur Rinpoche. Os cientistas mediram suas ondas cerebrais e verificaram que apresentavam 700 vezes mais movimentação quando estava fazendo a atividade que mais gostava (meditar), quando comparado com a de outras pessoas pesquisadas que faziam igualmente atividades que mais gostavam. Concluíram que ele era o senhor mais feliz do mundo! 

Sem considerar os exageros sensacionalistas normais de uma reportagem que noticia este tipo de informação, pode-se facilmente concluir que, para os seguidores do método científico, só seremos felizes quando um conjunto de cientistas nos disser que somos felizes. E que isso só poderá ser afirmado por meio de mensuração de nossas ondas cerebrais. Ou seja, toda subjetividade envolvida no conceito “felicidade” foi resumida a movimentação de ondas cerebrais. Ufa! Está cada vez mais difícil encontrar a felicidade…

Com exemplos pouco representativos e outros muito mais importantes, passo a passo a Instituição Ciência avançou em seu projeto de dominação, sem reconhecer que existam representantes da sociedade, fora de sua comunidade, que possam questionar sua produção ou mesmo proporcionar mais conhecimentos por meio de outras formas de ciência.

Por tudo isso, existem algumas possibilidades de respostas para a pergunta “o que sustenta a crença no progresso cumulativo da ciência?”. A primeira é utilizar-se do mesmo argumento auto-reflexivo do qual a Instituição se utiliza. A melhor resposta seria que a crença no progresso cumulativo da ciência sustenta-se na convicção de sua comunidade e da sociedade de que ela mesma (a ciência segundo o paradigma moderno) é capaz de resolver os problemas criou. Quem mais poderia libertar-nos da ciência senão a própria ciência? Por mais absurda que possa parecer esta resposta, este projeto já está em ação (na verdade, sempre esteve…).

Orçamentos milionários financiam medições de impacto de séculos de poluição ambiental gerados pela ciência inspiradora de tecnologias (para que fins mesmo?). Além disso, outros bem financiados centros de pesquisa buscam solucionar esse impacto sem abalar as economias de mercado dos países. Quem, além da ciência, poderia criar um escudo anti-atômico? E para alterar geneticamente alimentos que não conseguem brotar devido a pragas surgidas a partir do desequilíbrio ambiental? Quem juntará argumentos suficientes para convencer a toda a sociedade que pesquisas em embriões com 03 dias de fecundação não significa experiências com serem humanos? E que tudo isso serve para que o homem viva 200 anos e se faça mais ciência para descobrir como funciona um sistema de previdência que suporte essa expectativa de vida? Bom, ninguém tem mais autoridade do que a própria autoridade que a ciência se brindou para resolver os problemas que criou.

Gostaria de retomar alguns parágrafos acima e lembrar que reconheço a contribuição da ciência, por meio do paradigma moderno, no seu projeto de melhorar a vida das pessoas e entender um pouco melhor como o mundo se relaciona conosco. Isso, de certa forma, ainda conduz alguns cientistas à frente. Contudo, não se pode afirmar que estas contribuições são a únicas formas de alcançar os objetivos de melhorar a vida das pessoas e entender melhor como o mundo se relaciona conosco.

Uma segunda resposta à pergunta seria que a crença no progresso da ciência se sustenta na incapacidade da sociedade em avaliá-la criticamente e, assim, não reagir a sua tentativa de dominação. Em minha opinião, seria como apostar em um cavalo perdedor. Até por que um grupo de cientistas “desertores” já está bem incomodado com a dominação sem limites da ciência e as conseqüências que essa dominação tem imprimido à sociedade. Essas idéias têm, de certa forma, respingado sobre os representantes da Instituição. O debate está aberto… ou seria melhor dizer que a arena está montada? Muitos “guerrilheiros” se posicionaram e outros estão por reagir. A pós-modernidade trouxe muitas incertezas que não ajudam muito neste debate, mas, sem dúvida, a desconfiança sobre a Instituição é um benefício inegável e que ajudará a sociedade em avançar em alguns projetos menos danosos. Por isso, não aposto no não posicionamento das pessoas.

Numa terceira tentativa, ensaiarei uma resposta fora dos sistemas de referência da ciência: a crença no progresso cumulativo da ciência não se sustenta mais. Contudo, isso não significa que a ciência, segundo o paradigma moderno, de um momento para outro, encerrará suas práticas. As idéias de Kuhn prevêem que momentos de mudança de paradigmas são antecipados por grandes debates e novas soluções paralelas à ainda velhas respostas. Parece-me que este momento está se passando nos olhos da nova geração de cientistas. Talvez a pós-modernidade seja a desorganização para a sociedade se organizar diante de Instituições insuficientemente justificadas. Com isso, consequentemente, espero que novas demandas para a ciência surjam e possam, de certa forma, arrancar da ciência o “encosto” do paradigma moderno.

Fazer um desafio de futurologia nem sempre é adequado, mas não seria uma má idéia que essas novas demandas da ciência tentassem recuperar valores preciosos de algumas outras formas de conhecimento que tiveram seu status rebaixado durante a formação da epistemologia do conhecimento moderno.

A idéia de libertação direcionando pesquisas. Quais conhecimentos a sociedade estaria disposta a financiar? Livrar a sociedade da dominação do discurso e valorizar a capacidade argumentativa, o debate aberto e sem sistemas de auto-referência. Cientistas mais cautelosos e tecnologia a serviço do homem – tanto para corrigir seus erros, quanto para criar capacidade críticas de não repeti-los. Exercitar outros valores perdidos como o de co-vivência. Reconhecer linguagens diferentes e limitações biológicas e epistemológicas de desvendar a verdade e conhecer a realidade como se nela tivesse alguma coisa distinta do próprio homem. Admitir suas limitações e, quem sabe, apoiar novas formas de conhecimentos que sirvam aos seus ideais libertários. Uma ciência ampla, não dualista, que chama sempre à superfície a controvérsia para melhorar a qualidade das “descobertas”. 

Como já citei anteriormente, não seria difícil pensar um par de valores que poderia ser retomados pela ciência no paradigma moderno. Mas é esta a questão? Se a crença no projeto cumulativo da ciência não se sustenta por que seus argumentos não mais têm a força que tinham, se trata realmente de dar uma cartilha para os cientistas sobre de “bons modos” ou “ética na ciência” para que ela volte a se sustentar? Ajudaria bastante, mas acredito que não seja a única resposta.

O avanço da ciência voltará a se sustentar quando se colocar no seu devido lugar diante a sociedade. E isso deve partir de um exercício crítico. Não tem com ser diferente. Ao paradigma moderno caberá ajustes de significados que em um dado momento certamente será nomeado de outra coisa. O nome não fará diferença, mas a negociação de significados sim. Por isso é necessário formar uma nova geração de cientistas com capacidade crítica e de convivência com outros tipos de linguagens, dispostos a negociar significados.

Não poderia, de forma alguma, saber ou imaginar o produto que essa negociação vai gerar. Mas deve ser alguma coisa diferente do que o paradigma moderno trouxe e talvez não muito longe de algumas produções científicas contemporâneas. O importante é a negociação e a mudança de significados. De outra forma, seria assinar o atestado de óbito do mundo sem reagir.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

(...) Milton Bonder, A Alma Imoral

[quando estiver sem ideias, ou paciência, vou reproduzir frases de autores que admiro muito... muito mesmo]


"Deus reconhece a nudez que Adão na vergonha que Adão  sente dela."

terça-feira, 30 de agosto de 2011

É isso?

14/06/2011
Será que há momentos tão relevantes que não dou a menor importância?

Não consigo parar de bocejar. Não me havia percebido tão distante das histórias alheias, mesmo estando próximo às pessoas.

O que é proximidade, afinal? afinidade, encontro, intimidade, queda, toque? Não sei, mas é extremamente entediante.

Quem define profundidade do seu mundo? Qual é seu limite?

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O Botão

Levantamos e, em poucos, estamos vestindo nosso dominó diário. A luz da manhã parece parecer nossos sonhos e nos tornam em pessoas comuns, ou quase rebanhos.

Anos pensamos nos botões atacados dia a dia por esses comuns.

A criança acorda e pede ajuda. A mãe, orgulhosa do seu pequeno, fita aqueles botões como quem fita a lua em areias brancas. 

Depois, o acordar se torna chato. Nós simplesmente vestimos a roupa e raros são os botões que temos que abotoar. Engraçado. Os botões parecem não ter mais sentido.

A juventude chega no seu auge cantando músicas que faziam sucesso há dez anos.

O cheiro da morfina inspira trabalho e tensão. Os botões são esquecidos. Viram pequenas peças que atrapalham o desenrolar da vida e do tempo.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Caminhos

1997
Elevadores sobem,
Escadas descem.
Coletivos vem,
Automóveis vão.
Seu pensamento fica,
            minha alma fica,
                         a tua tenta.

Seus olhos comem,
Meu corpo dói.
Roupas vestem,
Dentes dispem
              mãos dispem.

Palavras destroem,
Sentimentos constroem
                         pedra sobre pedra
                                     nossa felicidade.

Relógios soam,
Coração dispara.
Pernas tremem,
Olhos fecham.
Corpo relaxa,
O coração não.
Adrenalina circula,
                     dedos circulam,
                                   são faces de uma mesma moeda. 

Bocas beijam,
             comem,
                        falam tudo.
O essencial urge: você.
O muro esconde,
Mas olhos vêem.
Portas abrem,
Mas cadeados unem
         duas partes de um todo:
                   a nota, o acorde, a música...

Papéis acolhem,
Canetas trabalham.
Mentes consumidas           
            pelo nosso sentimento autoral:
                        Saudade.
                                   que ferve,
                                               que machuca,
                                                            fica eufórica.

Pescoços roçam,
Narizes sentem
               menos que nós.
Tudo abre e fecha
           abre e vem
                        fecha e vai
                                      bate e pára
                                                  ficam e vão
Menos uma coisa:
                       eu e você.                                                                                                                        

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Talvez a Morte

1996
Talvez a luz do sol não apareça hoje;
Talvez o calor não mais me abasteça;
Talvez o mundo tenha parado;
Talvez o Chronus tenha saciado-se;
Talvez o universo esteja estático;
Talvez os corações tenham parado;
Talvez a vida não continue;
Talvez o vento não tenha mais motivo para soprar;
Talvez existam “flores em tudo que vejo”;
Talvez a boca não fale mais a palavra aspirada;
Talvez o pensamento esteja vago e longíguo;
Talvez a beleza não tenha mais princípios;
Talvez agora os princípios são outros;
Talvez todo trabalho talhado tenha tentado tirar troféus temidos;
Talvez o troféu seja o último, o limite;
Talvez o limite da vida
Talvez o início da morte.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Magues (Estuários Mortos)


Pés e lama se confundem em um belo par de olhos negros.
Pulos e sorrisos completam o belo cenário da lama.
 — Lá vem o fusca!
— Vrummm...
O mangue virou pedra.
E não há mais sorriso nem pulos
— Lá vem o caminhão!
— Brummm ... Práááááá !
Pelas frestas do mangue de pedras
Escorre mais um dos novos componentes do mangue primitivo:
O sangue. 

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Pela Janela da Jardineira

"Senhores passageiros, chegamos em Jijoca. Embarcaremos na jardineira com destino a Jericoacoara. Este percurso durará uma hora." Essa foi a primeira vez que ouvir falar em jardineira, não sabendo, ainda, do que se tratava exatamente. Chegando em Jijoca (ou será Gijoca com "G"), descobrimos depois de muitas invensões mentais, o tal meio de transporte que nos levaria ao destino final.

Jadineira é um microondas adaptado às necessidades dessa região. Não há janelas de vidro (elas são substituídas pelo plástico) e a pintura externa revela o que supostamente seria a paisagem do do local. Em jardineira não há suspensão, há cintos de segurança, não usados e há motorista ousado para dirigir os 23 km de dunas e outros caminhos esburacados. Jardineira só tem quatro machas e no máximo 50 passageiros com espírito aventureiro.

Na ida, fomos a noite. Pela janela da jardineira a noite sem luzes, estrela, areia, balanço, moto e som de pássaro próximos a alguma lagoa escondida.

Na volta pudemos apreciar melhor a jardineira... pela sua janela turistas embebecidos de uma beleza rara, bêbados que trocaram passagens, um casal em lua de mel bobos pela simplicidade do carro. Pela janela da jardineira, pedras duras, como a vida de quem vê a vida pela janela da jardineira... jegues selvagens, ao léu como a lembrança de quem vê a futuro pelas janelas da jardineira... praias desertas como o coração das crianças (são quatro) que se vê na boléia de um caminhão, pela janela da jardineira... dunas brancas como a paz alcançada por aqueles que se sacode e observa tudo pela janela da jardineira.

Uma vila! Praia Preá (não é 'do Preá') com crianças abanando as mãos com olhos de adulto oferecendo uma fatia de bolo de banana que vendem. Depois, pela janela da jardineira, estrada e vento e grãos de areia que parecem impelir nossa ida sem volta.

Pela janela da jardineira, a diversão de um lugar que parece ermo, mas que se enche de beleza quando se percebe a unicidade de corações que nos vêem pela janela da jardineira.

E no final da hora que separa o distrito de seu município, o que se vê, pela janela da jardineira, Jijoca de Jericoacoara e sua gente tão diferente e tão igual como tudo que se vê pela janela da jardineira.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Cacto

Por Raymundo Monteiro

Incertos por entre brechas de rochas
Aflitos e rasos, lançam raízes
À procura de seiva agrestina
Rara, para sua existência.

Bruta meiguicie
Com espinhos lançosos
Rara beleza vulgar
Que fere meu orgulho.

Lento espalha
Rara flores
Beleza, espinhos e dor
Dor da perda.

Rara, morte
Para sempre
Na mente

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Falta Inspiração

Doença da alma, falta inspiração.
Remédio não há fora do ser.


Inspiração é valores que brota do espírito e da vida mundana.


Inspiração é vontade que surge da consciência e do querer.


Inspiração é o prazer que nasce da vaidade,
                  é o mover que vem da entrega,
                  é o pensar que esta na tranquilidade,
                  é respirar sua natureza e


Equilibrar o ser.

domingo, 3 de julho de 2011

Cumplicidade

O que são as pessoas ou como elas são além da nossa imagem sobre elas?

Sr. Motorista, casado, pai de dois filhos (na verdade são três, mas eu queria que fosse dois). Acordou cedo para conduzir a linha de ônibus Campo Grande.

Sr. José, casado, pai de cinco filhos, avô de 10 netos. Casado com D. Maria há 55 anos. Acordou cedo para tomar o ônibus Campo Grande.

Juliana, casada, sem filhos. Acordou cedo para tomar o ônibus Caixa D'Água.

Sr. José resmungava. Esse ônibus que não chega! passou ainda agora do lado de lá e não chega! Juliana, em dúvida... Será que passa aqui? PASSA! disse Sr. José. Bla, bla, bla... (Juliana não entendeu mais nada do que ele falou).

O ônibus Campo Grande aponta no horizonte. É ele! exclamou Juliana. Demorou mais um pouco e Sr. José também identificou o ônibus.

Sr. Motorista abre a porta do veículo. O ilustre passageiro arrumar seu chapéu, comprado em uma feira 30 anos atrás, e solta algumas palavras ao condutor sobre a demora na linha. Sr. Motorista sorri e olha para Juliana e sorri o sorriso dos cúmplices... compreensivo e irônico.

O ônibus Caixa D'água queimou a parada... Filha da puta do motorista!

domingo, 19 de junho de 2011

As Ruas


As ruas molhadas
De lágrimas
De olhos vermelhos e tristes
De fome

Pernas e mãos
Raquíticas
Andando nessas ruas
Formam populações
Nos belos campos
De pedra e jardins
De agulha

O asfalto duro
De descaso
Transpiram vapores
Ácidos
Que corroem os pés
Daqueles que não os têm

— Menino, calça o chinelo !
— Parado aí, senão eu atiro ...

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Conhecimento Prudente para uma Vida Decente


“Não: não quero nada! Já disse que não quero nada. / Não me venham com conclusões! / A única conclusão é morrer. Não me tragam estéticas! / Não me falem em moral! / Tirem-me daqui a metafísica! / Não me apregoem sistemas completos, não me enfilerem conquistas / Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) / Das ciências, das artes, da civilização moderna!”. (Trecho poesia ‘Lisbon Revisited (1923)’ de Fernando Pessoa)

Fernando Pessoa considerava Rosseau um “misantropo amoroso da humanidade” (Escritos Íntimos 19). A admiração pelo filósofo fez com que o poeta antecipasse, em linguagem livre, meus sentimentos . Quais são, finalmente, as conquistas das ciências, das artes e da civilização moderna? Um pergunta simples cuja resposta é o cerne da crise da ciência moderna.

A racionalidade científica do século XVIII aderiu a predicados que romperam com formas de conhecimento anteriores. Na ânsia de controlar os fenômenos naturais, o homem perdeu a confiança na sua percepção e desenvolveu métodos e regras para revelar verdades. O método positivista dominou a ciência com seus modelos matemáticos. Neste momento, o objetivo da ciência não era apenas resolver um problema humano ou entender um fenômeno natural, mas descobrir formas de controlá-lo.

O paradigma dominante da ciência moderna alcançou os fenômenos sociais. A lógica era simples: se a ciência moderna revelava verdades sobre os fenômenos naturais, da mesma forma ela poderia revelar verdades sobre os fenômenos sociais. Contudo, logo foi reivindicada uma nova epistemologia e metodologia para as ciências sociais, pois os fenômenos estudados possuíam duas variáveis difíceis de serem controladas: a cultura e a aprendizagem do homem.
A crise epistemológica da ciência moderna nasceu no seu próprio seio (ironia, mas que de certa forma legitimou a crise). Boaventura apontou quatro “descobertas” da ciência ocidental moderna que foram pontos de inflexão para a crise: a relatividade da simultaneidade; a mecânica quântica; a relativização do rigor matemático; e os conhecimentos em microfísica. Tais estudos questionaram profundamente as bases da racionalidade científica e engatilharam a crise da ciência moderna. O rompimento do que Boaventura chamou de “Paradigma Dominante” era inevitável.
Esses impasses já eram discutidos dentro do desenvolvimento das ciências sociais. Por isso, a discussão antes marginalizada da epistemologia das ciências sociais tornou-se relevante para a ciência como um todo. Para Boaventura, a partir de então, surge um novo espaço para a construção de um novo paradigma para a ciência.


Apesar de Boaventura considerar esse novo paradigma uma especulação, ele o nomeou de “paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente”. Nele, sintetiza-se o que a ciência moderna ignorou ou estudou de forma inacabada e que acredito ser um novo paradigma da ciência que pode ainda salvar-nos da ciência moderna: a 1) comunidade (nas dimensões de participação e solidariedade) e a 2) racionalidade estético-expressiva (nas dimensões de prazer, autoria e artefactualidade discursiva), 3) conhecimento-emancipação não linear, não controlável (nem em suas causas e muito menos conseqüências); a 4) hermenêutica da suspeição (prudência nas afirmações e foco nas conseqüências inesperadas do fenômeno); o 5) reconhecimento que a ação do homem interfere no fenômeno e por isso não se pode separar natureza e cultura; a 6) aproximação da linguagem científica da linguagem literária e artística.

Boaventura antevê que toda ciência será ciência social por que os fenômenos naturais guardam em si características dos fenômenos sociais. Eu acredito nele. Se no seu desenvolver a ciência construir um novo paradigma próximo ao conhecimento prudente para uma vida decente, num encontro futurista impossível, Fernando Pessoa e Rosseau se cumprimentariam e sorririam em grande satisfação, pois seus legados seriam eternizados.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Cadernos

Árvores e rochas duras e verdes.
Num clima humilde
Em torno da futilidade

Peles e rostos bonitos.
Onde está a inteligência?
Nos cadernos.
Fechados.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Recuperação reflexiva e meus diários

Agradeço a Deus pelos pais que tenho todos os dias. Uma coisa, em especial, eles fizeram por mim: tornaram os livros o melhor presente que poderiam me dar. Recordo-me de várias coleções de histórias infantis e das tardes lendo e relendo as mesmas histórias incansavelmente. Devorava os livros didáticos do primeiro e segundo grau. Apaixonei-me por Machado de Assis e mantemos uma relação sólida até hoje. Na universidade, conheci Fernando Pessoa e desde então tenho dois amores.

Minha paixão pela leitura refletiu-se em diários. Escrevi dezenas deles e os tenho guardado até hoje. Adoro esbarrar com eles na minha arrumação anual e ela dura mais tempo por que me encontro lá, nos diários e nas minhas experiências que me levaram até aqui.

Por falar em minhas experiências… tive uma impactante há um par de anos. Era a terceira ou quarta aula da disciplina de Introdução a Administração com Professora Lílian Outtes, primeira disciplina que paguei no Mestrado em Administração, em Fevereiro de 2007. Uma hora dessa aula ia ser preenchida com uma palestra de Pedro Lincoln. Nossa! Fiquei feliz… já havia lido algumas coisas de Prof. Pedro e sempre gostei muito. Certamente a aula ia ser brilhante. 

Prof. Pedro nos solicitou um trabalho prévio. As orientações eram claras: “Faça uma recuperação reflexiva de sua experiência anterior. Respondendo às quatro questões: Qual tem sido, realmente, minha trajetória profissional ou escolar/acadêmica? Quais os pontos de contato mais fortes dela com o restante de minha experiência pessoal? O que trago, objetivamente (sem muito wishfull thinking) desse meu passado para essa nova fase? Quais as dúvidas mais de fundo sobre o tipo de conhecimento que espero encontrar aqui?”.

Respirei fundo e escrevi cinco páginas, espaço simples. Passei dois dias pensando e uma noite inteira escrevendo. Caprichei na formatação, imprimi o trabalho e estava pronta! Agora só faltava entregá-lo ao Professor!

Na aula, Prof. Pedro começou a falar sobre ‘experiência’. Falou do sentido semântico, do sentido pragmático, do senso comum, do sentido que cada um deu durante a exposição do seu caso. Fiquei calada… quem me conhece, sabe que isso é quase uma obra do espírito santo. As palavras de Prof. Pedro faziam sentido e não faziam ao mesmo tempo. Ele é capaz de fazer isso. Não sabia o que dizer… parecia bobo tudo que eu pensava. Neste ponto da aula, já estava desanimada. Minha auto avaliação do trabalho passou de A a D em uma hora. 

Nos ‘finalmentes’ da aula, não conseguia entender nem exprimir o que era experiência em qualquer sentido que fosse; Prof. Pedro, então, fez o fechamento. Não me recordo das palavras exatas, mas ele disse mais ou menos o seguinte. “Experiência é como comida.” Eu ri. Pronto! Tudo que eu não estava entendendo transformou-se em ‘comida’, nas simples palavras do Prof. Pedro. Ele continuou: “Você toma café-da-manhã, come o pão, a manteiga, uma maçã, bebe o leite, açúcar e café. Em seguida você vai fazer exercícios físicos. Começa a correr. As calorias que você está gastando estava no açúcar ou na fruta? No pão ou na manteiga? Não sabemos. Da mesma forma é a experiência. Você não sabe de onde veio, mas ela está aí, dentro de você. Há como dar valor a cada uma delas?” Ele deu bom dia e saiu. Eu fiquei pasma. Paralisada, com o trabalho na mão. Que metáfora! Que fechamento!

A experiência sobre minha experiência foi impactante. Foi o primeiro passo dos primeiros seis meses em que me percebi mudar mais.

Nos últimos dois anos, não li meus diários. Hoje, ocupo-me em ler minhas reflexões, seminários, resumos, resenhas e artigos do mestrado. Leio e discordo de mim, concordo comigo, acho engraçado. 

Mas sou EU ali, assim como nos meus diários. Eles só mudaram de formato, como eu. 

É isso, aprender a SER é assim. No fim da viagem, voltaremos ao ponto de partida e teremos a impressão de vê-lo pela primeira vez. (Frase adaptada de T.S. Eliot).

(escrito em Julho de 2009)

Do que tratará este blog?

A missão desse blog é facilitar a minha missão. Descobri que vim ao mundo para ensinar, aprender e ser (não necessariamente nesta ordem... enfim, nem sei qual a ordem certa) e vejo uma boa oportunidade de perenizar essa missão por meio de um blog.

Vou compartilhar textos próprios, que tratam das coisas da vida; como não tenho mais a ilusão da desconexão entre os papéis, talvez seja um bom retrato público do ser Judapaz.