sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Pós Modernidade


O entendimento generalizado do funcionamento pós-moderno da sociedade pode levar a alguns entendimentos destorcidos. Por exemplo, na tentativa de explicar a pós-modernidade, foi exemplificada a relação de trabalho do Vale do Silício, o urbanismo de Los Angeles e o entretenimento da Disneylândia. Na verdade, a maior parte da população ainda vive do emprego como era conhecido no início do século; muitas cidades são urbanisticamente tradicionais e a grande população do mundo nunca conhecerá parques temáticos. A leitura da pós-modernidade tenta generalizar alguns conceitos restritos a alguns modelos.

De fato a organização da sociedade está se alterando, assim como as relações de emprego, as cidades e o entretenimento. Contudo, os modelos apresentados estão próximos de serem uma boa metáfora inicial; o projeto final provavelmente será diferente. Por quê? Talvez o embate de valores na sociedade crie um modelo diferente do que se premunia.

Sobre a influência da pós-modernidade nas ciências sociais, o “homem” foi substituído por práticas discursivas como fundamento da ciência; para os autores, são estas práticas que constroem o homem. Assim, a identidade dos sujeitos da linguagem na formação da prática discursiva tornou o objeto da ciência restrito a comunidades interpretativas, fragmentadas. 

Esse entendimento contesta o status da ciência como a melhor forma de compreender o mundo. Na pós-modernidade, não existe razão nem verdade por que a fragmentação e pluralidade da sociedade não permitem tais conceitos hegemônicos.

Nessa perspectiva, o desafio de transpor o conhecimento das barreiras universitárias é muito difícil, pois seus produtos científicos estão restritos a uma comunidade de prática. Bauman afirma que os romancistas e poetas lhe dão mais condição de entender a condição humana do que os tratados sociológico: eles não têm barreiras formais na linguagem e nas metáforas. Talvez essa seja uma forma de transposição. Uma tentativa interessante foi apresentada por Knights e Willmont no livro Management Lives: power ans identity in work organizations.

A premonição das conseqüências da pós-modernidade na sociedade e na ciência sufoca qualquer um. Na verdade, sua crença em conceitos como pluralidade, fluidez e incomensurabilidade de qualquer objeto objetivado mostram o radicalismo que se formou diante seus preceitos. Radicalismo comparado com aquele apresentado na “sólida” crença da modernidade. A epistemologia da pós-modernidade tentar radicalizar uma visão de mundo da mesma forma que a epistemologia da modernidade tentou radicalizar. 

Nelson Rodrigues, célebre romancista e observador da vida cotidiana, acreditava que “a grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem”. Este é um bom conselho para os pesquisadores: não sejas corruptor do mundo que se encena na pós-modernidade. A generalização, assim como a unanimidade, é burra.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

A Marcha triunfal da Ciência


Junho/2007

A construção do conhecimento na história do homem e da sociedade passou por estágios muito distintos. No início, o conhecimento (e sua transmissão) cumpria com o objetivo de facilitar o relacionamento do homem com a natureza que o cercava. Muitos “projetos” do conhecimento (inicialmente) ou do que se nomeou ciência (posteriormente) foram concretizados pelo homem e acabaram por garantir sua permanência no mundo, a melhoria da sua qualidade de vida e até (de certa forma) sua libertação dos valores doutrinadores/dominadores da Igreja ou de outros sistemas de crença religiosa. A ciência oportunizou avanços inquestionáveis para toda sociedade, uma herança que não se pode desvalorizar. Contudo, não foram apenas beneficências que a ciência concedeu à sociedade. 

Num segundo momento, (que não se pode dizer consecutivo, mas paralelo às circunstâncias descritas no parágrafo anterior) a ciência enredou-se por um discurso mítico e ideológico (como a própria pergunta inicial indicou), utilizando-se do argumento de autoridade para dar luz à idéia da ciência como um construto exterior ao homem, com vida própria. Homem de um lado, o mundo do outro lado. A ciência como mediadora, ou seja, o conhecimento desenvolvido por ela como trilhos das cortinas do “palco” chamado mundo. Esse dualismo criou a ciência moderna e ela criou um paradigma sobre que é ciência. 

A partir de então, os cientistas modernos requerem da sociedade apenas observação (quem sabe idolatria?) dos passos da ciência e às vezes tenho a impressão que ela aceita este papel, sem se dar conta do que está por trás do progresso ou do avanço da ciência. O paradigma moderno se fortaleceu tanto no século XX que o conhecimento produzido segundo sua égide confunde-se com o que as pessoas acreditam que sabem sobre mundo que as cerca. A ciência, entendida pelo senso comum, tornou-se uma Instituição .

A comunidade científica, envolvida no fortalecimento da Instituição Ciência e em busca do conhecimento “verdadeiro”, criou sistemas de referência incomuns que mais servem a sua própria legitimação do que a avaliações externas. Poder-se-ia nomeá-los de sistema de auto-referência ou auto-avaliação, o que significa que apenas a própria comunidade envolvida com a Instituição Ciência pode discutir, avaliar, ponderar, restringir, avançar ou regredir os produtos do conhecimento produzido. 

Além disso, a comunidade criou frases de impacto como “esta descoberta é cientificamente comprovada”! A partir de então o entendimento que se requer de quem as escuta é que “esta descoberta é verdade”! Um método científico da modernidade tomou ares de verdade e isso desencadeou um concatenado de idéias que dizem muito mais sobre uma comunidade científica do que sobre a realidade.

Todo esse palavrório da comunidade científica impôs um “avanço” da ciência  à sociedade, como uma mão de ferro, determinando certo tipo de dominação que a igualou aquilo que, primordialmente, contrapunha-se. O quê falar das grandes tecnologias criadas para subjugar o homem à morte? Como justificar conhecimento criado para fortalecer projetos de dominação cultural? Como explicar o emaranhado entre ciência – poder – financiamento – mercado de consumo? De onde partiu a demanda por esses “avanços”? Por que a ciência acredita que possui tantas respostas sobre o mundo, se não pode responder satisfatoriamente a questões éticas latentes que surgem a cada dia sobre alguns tipos de conhecimento que está produzindo? Por que a ciência insiste em ignorar o que não está sobre o seu controle metodológico? E qual a legitimidade que tem para (sub)julgar conhecimentos diferentes do que produz?
Gostaria de dar um exemplo aparentemente inocente do tipo de “dominação” que a ciência tenta impor. No dia 20 de Junho de 2007 assisti a uma reportagem num jornal nacional televisionado. Noticiava-se que o homem mais feliz do mundo, “comprovado cientificamente”, era o monge budista Yongey Mingyur Rinpoche. Os cientistas mediram suas ondas cerebrais e verificaram que apresentavam 700 vezes mais movimentação quando estava fazendo a atividade que mais gostava (meditar), quando comparado com a de outras pessoas pesquisadas que faziam igualmente atividades que mais gostavam. Concluíram que ele era o senhor mais feliz do mundo! 

Sem considerar os exageros sensacionalistas normais de uma reportagem que noticia este tipo de informação, pode-se facilmente concluir que, para os seguidores do método científico, só seremos felizes quando um conjunto de cientistas nos disser que somos felizes. E que isso só poderá ser afirmado por meio de mensuração de nossas ondas cerebrais. Ou seja, toda subjetividade envolvida no conceito “felicidade” foi resumida a movimentação de ondas cerebrais. Ufa! Está cada vez mais difícil encontrar a felicidade…

Com exemplos pouco representativos e outros muito mais importantes, passo a passo a Instituição Ciência avançou em seu projeto de dominação, sem reconhecer que existam representantes da sociedade, fora de sua comunidade, que possam questionar sua produção ou mesmo proporcionar mais conhecimentos por meio de outras formas de ciência.

Por tudo isso, existem algumas possibilidades de respostas para a pergunta “o que sustenta a crença no progresso cumulativo da ciência?”. A primeira é utilizar-se do mesmo argumento auto-reflexivo do qual a Instituição se utiliza. A melhor resposta seria que a crença no progresso cumulativo da ciência sustenta-se na convicção de sua comunidade e da sociedade de que ela mesma (a ciência segundo o paradigma moderno) é capaz de resolver os problemas criou. Quem mais poderia libertar-nos da ciência senão a própria ciência? Por mais absurda que possa parecer esta resposta, este projeto já está em ação (na verdade, sempre esteve…).

Orçamentos milionários financiam medições de impacto de séculos de poluição ambiental gerados pela ciência inspiradora de tecnologias (para que fins mesmo?). Além disso, outros bem financiados centros de pesquisa buscam solucionar esse impacto sem abalar as economias de mercado dos países. Quem, além da ciência, poderia criar um escudo anti-atômico? E para alterar geneticamente alimentos que não conseguem brotar devido a pragas surgidas a partir do desequilíbrio ambiental? Quem juntará argumentos suficientes para convencer a toda a sociedade que pesquisas em embriões com 03 dias de fecundação não significa experiências com serem humanos? E que tudo isso serve para que o homem viva 200 anos e se faça mais ciência para descobrir como funciona um sistema de previdência que suporte essa expectativa de vida? Bom, ninguém tem mais autoridade do que a própria autoridade que a ciência se brindou para resolver os problemas que criou.

Gostaria de retomar alguns parágrafos acima e lembrar que reconheço a contribuição da ciência, por meio do paradigma moderno, no seu projeto de melhorar a vida das pessoas e entender um pouco melhor como o mundo se relaciona conosco. Isso, de certa forma, ainda conduz alguns cientistas à frente. Contudo, não se pode afirmar que estas contribuições são a únicas formas de alcançar os objetivos de melhorar a vida das pessoas e entender melhor como o mundo se relaciona conosco.

Uma segunda resposta à pergunta seria que a crença no progresso da ciência se sustenta na incapacidade da sociedade em avaliá-la criticamente e, assim, não reagir a sua tentativa de dominação. Em minha opinião, seria como apostar em um cavalo perdedor. Até por que um grupo de cientistas “desertores” já está bem incomodado com a dominação sem limites da ciência e as conseqüências que essa dominação tem imprimido à sociedade. Essas idéias têm, de certa forma, respingado sobre os representantes da Instituição. O debate está aberto… ou seria melhor dizer que a arena está montada? Muitos “guerrilheiros” se posicionaram e outros estão por reagir. A pós-modernidade trouxe muitas incertezas que não ajudam muito neste debate, mas, sem dúvida, a desconfiança sobre a Instituição é um benefício inegável e que ajudará a sociedade em avançar em alguns projetos menos danosos. Por isso, não aposto no não posicionamento das pessoas.

Numa terceira tentativa, ensaiarei uma resposta fora dos sistemas de referência da ciência: a crença no progresso cumulativo da ciência não se sustenta mais. Contudo, isso não significa que a ciência, segundo o paradigma moderno, de um momento para outro, encerrará suas práticas. As idéias de Kuhn prevêem que momentos de mudança de paradigmas são antecipados por grandes debates e novas soluções paralelas à ainda velhas respostas. Parece-me que este momento está se passando nos olhos da nova geração de cientistas. Talvez a pós-modernidade seja a desorganização para a sociedade se organizar diante de Instituições insuficientemente justificadas. Com isso, consequentemente, espero que novas demandas para a ciência surjam e possam, de certa forma, arrancar da ciência o “encosto” do paradigma moderno.

Fazer um desafio de futurologia nem sempre é adequado, mas não seria uma má idéia que essas novas demandas da ciência tentassem recuperar valores preciosos de algumas outras formas de conhecimento que tiveram seu status rebaixado durante a formação da epistemologia do conhecimento moderno.

A idéia de libertação direcionando pesquisas. Quais conhecimentos a sociedade estaria disposta a financiar? Livrar a sociedade da dominação do discurso e valorizar a capacidade argumentativa, o debate aberto e sem sistemas de auto-referência. Cientistas mais cautelosos e tecnologia a serviço do homem – tanto para corrigir seus erros, quanto para criar capacidade críticas de não repeti-los. Exercitar outros valores perdidos como o de co-vivência. Reconhecer linguagens diferentes e limitações biológicas e epistemológicas de desvendar a verdade e conhecer a realidade como se nela tivesse alguma coisa distinta do próprio homem. Admitir suas limitações e, quem sabe, apoiar novas formas de conhecimentos que sirvam aos seus ideais libertários. Uma ciência ampla, não dualista, que chama sempre à superfície a controvérsia para melhorar a qualidade das “descobertas”. 

Como já citei anteriormente, não seria difícil pensar um par de valores que poderia ser retomados pela ciência no paradigma moderno. Mas é esta a questão? Se a crença no projeto cumulativo da ciência não se sustenta por que seus argumentos não mais têm a força que tinham, se trata realmente de dar uma cartilha para os cientistas sobre de “bons modos” ou “ética na ciência” para que ela volte a se sustentar? Ajudaria bastante, mas acredito que não seja a única resposta.

O avanço da ciência voltará a se sustentar quando se colocar no seu devido lugar diante a sociedade. E isso deve partir de um exercício crítico. Não tem com ser diferente. Ao paradigma moderno caberá ajustes de significados que em um dado momento certamente será nomeado de outra coisa. O nome não fará diferença, mas a negociação de significados sim. Por isso é necessário formar uma nova geração de cientistas com capacidade crítica e de convivência com outros tipos de linguagens, dispostos a negociar significados.

Não poderia, de forma alguma, saber ou imaginar o produto que essa negociação vai gerar. Mas deve ser alguma coisa diferente do que o paradigma moderno trouxe e talvez não muito longe de algumas produções científicas contemporâneas. O importante é a negociação e a mudança de significados. De outra forma, seria assinar o atestado de óbito do mundo sem reagir.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

(...) Milton Bonder, A Alma Imoral

[quando estiver sem ideias, ou paciência, vou reproduzir frases de autores que admiro muito... muito mesmo]


"Deus reconhece a nudez que Adão na vergonha que Adão  sente dela."