quarta-feira, 25 de maio de 2011

Recuperação reflexiva e meus diários

Agradeço a Deus pelos pais que tenho todos os dias. Uma coisa, em especial, eles fizeram por mim: tornaram os livros o melhor presente que poderiam me dar. Recordo-me de várias coleções de histórias infantis e das tardes lendo e relendo as mesmas histórias incansavelmente. Devorava os livros didáticos do primeiro e segundo grau. Apaixonei-me por Machado de Assis e mantemos uma relação sólida até hoje. Na universidade, conheci Fernando Pessoa e desde então tenho dois amores.

Minha paixão pela leitura refletiu-se em diários. Escrevi dezenas deles e os tenho guardado até hoje. Adoro esbarrar com eles na minha arrumação anual e ela dura mais tempo por que me encontro lá, nos diários e nas minhas experiências que me levaram até aqui.

Por falar em minhas experiências… tive uma impactante há um par de anos. Era a terceira ou quarta aula da disciplina de Introdução a Administração com Professora Lílian Outtes, primeira disciplina que paguei no Mestrado em Administração, em Fevereiro de 2007. Uma hora dessa aula ia ser preenchida com uma palestra de Pedro Lincoln. Nossa! Fiquei feliz… já havia lido algumas coisas de Prof. Pedro e sempre gostei muito. Certamente a aula ia ser brilhante. 

Prof. Pedro nos solicitou um trabalho prévio. As orientações eram claras: “Faça uma recuperação reflexiva de sua experiência anterior. Respondendo às quatro questões: Qual tem sido, realmente, minha trajetória profissional ou escolar/acadêmica? Quais os pontos de contato mais fortes dela com o restante de minha experiência pessoal? O que trago, objetivamente (sem muito wishfull thinking) desse meu passado para essa nova fase? Quais as dúvidas mais de fundo sobre o tipo de conhecimento que espero encontrar aqui?”.

Respirei fundo e escrevi cinco páginas, espaço simples. Passei dois dias pensando e uma noite inteira escrevendo. Caprichei na formatação, imprimi o trabalho e estava pronta! Agora só faltava entregá-lo ao Professor!

Na aula, Prof. Pedro começou a falar sobre ‘experiência’. Falou do sentido semântico, do sentido pragmático, do senso comum, do sentido que cada um deu durante a exposição do seu caso. Fiquei calada… quem me conhece, sabe que isso é quase uma obra do espírito santo. As palavras de Prof. Pedro faziam sentido e não faziam ao mesmo tempo. Ele é capaz de fazer isso. Não sabia o que dizer… parecia bobo tudo que eu pensava. Neste ponto da aula, já estava desanimada. Minha auto avaliação do trabalho passou de A a D em uma hora. 

Nos ‘finalmentes’ da aula, não conseguia entender nem exprimir o que era experiência em qualquer sentido que fosse; Prof. Pedro, então, fez o fechamento. Não me recordo das palavras exatas, mas ele disse mais ou menos o seguinte. “Experiência é como comida.” Eu ri. Pronto! Tudo que eu não estava entendendo transformou-se em ‘comida’, nas simples palavras do Prof. Pedro. Ele continuou: “Você toma café-da-manhã, come o pão, a manteiga, uma maçã, bebe o leite, açúcar e café. Em seguida você vai fazer exercícios físicos. Começa a correr. As calorias que você está gastando estava no açúcar ou na fruta? No pão ou na manteiga? Não sabemos. Da mesma forma é a experiência. Você não sabe de onde veio, mas ela está aí, dentro de você. Há como dar valor a cada uma delas?” Ele deu bom dia e saiu. Eu fiquei pasma. Paralisada, com o trabalho na mão. Que metáfora! Que fechamento!

A experiência sobre minha experiência foi impactante. Foi o primeiro passo dos primeiros seis meses em que me percebi mudar mais.

Nos últimos dois anos, não li meus diários. Hoje, ocupo-me em ler minhas reflexões, seminários, resumos, resenhas e artigos do mestrado. Leio e discordo de mim, concordo comigo, acho engraçado. 

Mas sou EU ali, assim como nos meus diários. Eles só mudaram de formato, como eu. 

É isso, aprender a SER é assim. No fim da viagem, voltaremos ao ponto de partida e teremos a impressão de vê-lo pela primeira vez. (Frase adaptada de T.S. Eliot).

(escrito em Julho de 2009)

Um comentário:

  1. Eu acho q vc podia fazer a união entre seus dois "eu's": o científicos e racional (seus textos acadêmicos) e o sentimental e emocional (os diários). Isso ajudaria a vc a ir mais profundo nas suas questões.

    "Sinto-me nascido a cada momento
    Para a eterna novidade do Mundo..."
    Alberto Caeiro

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